Santo Antônio para tempos de amor líquido, tinder e afins

Vinnícius Almeida
5 min readJun 14, 2023

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Ontem foi o dia dos namorados.

O êxtase do comércio, a catarse das redes sociais, de quem-nunca-nada-posta, mas precisa, nessa data, dizer-que tem uma história de amor sendo escrita (ainda que por linhas tortas ou sem linhas nem pautas).

Tanta gente boa nos ajuda a pensar criticamente sobre isso: Bauman, Eva Illouz, Byung-Chul Han…

Charles Taylor, em sua obra intitulada “O Mal-Estar na Modernidade” (1991), apresenta uma perspectiva crítica sobre a importância do reconhecimento no processo de formação da identidade e no desenvolvimento humano. Segundo Taylor, o reconhecimento desempenha um papel fundamental na busca por uma vida significativa. A necessidade de ser reconhecido e valorizado pelos outros é intrínseca à condição humana, pois o reconhecimento não apenas confirma nossa existência, mas também valida nossas experiências, emoções e contribuições para o mundo.

O Dia dos Namorados é uma memória anual em que casais expressam seu amor e afeto um pelo outro. No Brasil, é celebrado em 12 de junho. Essa data foi escolhida porque coincide com a véspera do dia de Santo Antônio, conhecido popularmente como o santo casamenteiro.

Santo Antônio é um santo reconhecido pela Igreja Católica, e acredita-se que ele possa interceder em assuntos relacionados ao amor e ao casamento.

Na tradição protestante, a que pertenço, não se faz oração direta aos santos, fato. Agora, isso anula a história de Santo Antônio? Seu testemunho, biografia e até a contribuição para os nossos dias?

A mesma vertente da qual faço parte tem uma mania feia: ela se mostra capaz de humanizar conceitos abstratos e racionais advindos de uma teologia sistemática, mas se mostra por vezes, insensível a histórias reais ou situações de quem contribuiu pela Igreja e a sociedade, e, no entanto, não fazem parte de sua tradição.

Santo Antônio para além do correio elegante

Santo Antônio, também conhecido como Santo Antônio de Pádua ou Santo Antônio de Lisboa, foi um dos santos mais populares da Igreja Católica. Ele nasceu por volta do ano 1195 em Lisboa, Portugal, com o nome de batismo Fernando Martins de Bulhões e Taveira Azevedo.

Ingressou na Ordem dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, quando era jovem e estudou teologia e filosofia. Ele foi ordenado sacerdote e começou a ensinar teologia na cidade de Coimbra. No entanto, seu desejo de se tornar um missionário o levou a se juntar à recém-fundada Ordem Franciscana, onde adotou o nome de Antônio.

Santo Antônio ficou conhecido por sua eloquência e sabedoria em seus sermões. Ele viajou por várias partes de Portugal e da Itália, pregando a Palavra de Deus e servindo em vilarejos de pessoas em situação de vulnerabilidade. Sua devoção a Deus e sua dedicação aos pobres e doentes conquistaram o respeito e a admiração das pessoas.

Sim! Há muitas histórias e lendas associadas a Santo Antônio. Uma das mais famosas é a história em que ele teria pregado aos peixes quando os moradores da cidade se recusaram a ouvi-lo. Segundo a tradição, os peixes emergiram do mar e se alinharam para ouvir o sermão de Santo Antônio.

Outra história famosa é a de que Santo Antônio teria perdido um livro de salmos que era muito importante para ele. Ele teria orado fervorosamente pela sua recuperação, e o livro teria sido encontrado milagrosamente em seu lugar original.

As histórias, tanto biográfica quanto hagiográfica, ou seja, esta última sendo uma versão romantizada/canonizada de sua trajetória, se entrecruzam. Novamente, uma anula a outra? Não, gente!
Nós anulamos a história de nossos avós? Quem já ouviu histórias de tios e primos mais velhos, sabe.

A verdadeira história de Santo Antônio está enraizada em seu compromisso com a fé cristã, seu trabalho missionário e sua dedicação aos pobres.

Frei Floriano Kist, um estudioso da obra de Santo Antônio, diz que dentre os temas de seus sermões, os pontos abordados são: a) Amor a Deus e ao próximo; b) arrependimento e conversão; c) humildade e desapego material; c) virtudes cristãs.

Santo Antônio faleceu em 13 de junho de 1231 na cidade de Pádua, na Itália. Ele foi canonizado apenas um ano após sua morte, em 1232, pelo Papa Gregório IX. Ficou lembrado como um santo padroeiro dos pobres, dos viajantes, das mulheres estéreis, dos oprimidos e dos que buscam objetos perdidos. E dito isto, é também popularmente lembrado para ajudar uma pessoa a encontrar outra pessoa para amar.

Gente, há um clamor na cultura popular para encontrar alguém pra amar. Como isso não pode ser importante?

E por quê, quando evangélicos falam de cultura, só se fala de cultura pop?
(risos irônicos)

Quero pensar uma teologia da cultura que se importe com amores líquidos, com a barraca do beijo, o correio elegante e o tinder. Ando lendo Charles Taylor, e há evidências tangíveis e viscerais por reconhecimento aqui!

Santo Antônio, com sua vida e ensinamentos, pode oferecer algumas perspectivas e ajudar-nos a lidar com os desafios do “amor líquido”. Uma síntese:

1) A busca por relacionamentos significativos:
Em uma sociedade onde os relacionamentos muitas vezes são líquidos e voláteis, Santo Antônio nos convida a buscar relacionamentos baseados em valores sólidos e compromisso mútuo. Ele nos lembra da importância de cultivar relacionamentos autênticos, duradouros e baseados no amor verdadeiro, em vez de se perder em relacionamentos superficiais e efêmeros.

2) Valorização da estabilidade e compromisso:
Santo Antônio nos ensina que o amor genuíno envolve compromisso, dedicação e disposição para superar desafios. Em uma cultura onde muitas vezes é fácil desistir e seguir em frente, as lições de perseverança e fidelidade de Santo Antônio podem ser um guia para construir relacionamentos sólidos e significativos.

3) Foco na empatia e compaixão:
Em um contexto de “amor líquido”, onde as pessoas podem ser descartadas e tratadas como objetos, Santo Antônio nos lembra da importância da empatia e da compaixão. Sua obra, nos convida a tratar os outros com bondade, respeito e cuidado, enxergando a humanidade e o valor em cada pessoa.

4) A autenticidade da espiritualidade cristã:
Santo Antônio também pode nos ajudar a partir da cultura popular a cultivar uma vida espiritual mais profunda e a encontrar força e orientação em momentos de incerteza e instabilidade. Através da oração e da busca de uma conexão mais profunda com o divino, onde, através de suas experiências por meio da fé em Jesus, o Cristo, podemos encontrar conforto, sabedoria e orientação para enfrentar os desafios do amor líquido.

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Uma singela tentativa, para alguém que ama festas juninas, de buscar meus pares e convidá-los a dançar festa junina na cultura popular e rechear essas narrativas.

Me convidem para as festas juninas!

Festa Junina — pinterst.com

Referências:

Araújo, Paulo Roberto de. Charles Taylor: para uma ética do reconhecimento. São Paulo: Loyola, 2004.

Bauman, Zygmunt. Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. São Paulo: Zahar, 2003.

Martins, Maria Odete Sequeira. Santo António de Lisboa: História e Iconografia. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1995.

Mourão, José Augusto. Santo António: O Homem, o Santo, o Doutor. Lisboa: Paulus Editora, 2010.

Santo Antônio de Pádua. Disponível em:
https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2018-06/santo-antonio.html

Taylor, Charles. O Mal-Estar na Modernidade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.

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