Resgatando o papel dos anciãos na orientação espiritual

Vinnícius Almeida
4 min readApr 10, 2024

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Na velhice ainda darão frutos; serão viçosos e florescentes.
Salmo 92.14

Na cultura do skate, a partir dos 35 anos se é considerado Old School. Esse ano fiz 36. Especificamente, há duas semanas. Se sei lidar com isso, ainda é cedo para dizer. Mesmo assim, uma coisa é certa: quando estou na pista, não me identifico mais com as músicas que tocam, as roupas de muitos ali e às vezes, nem mesmo as manobras, é diferente. Algo mudou!

Nenhum problema com isso! De verdade!
Talvez, o que me surpreendeu mesmo foi o quão rápido cheguei nesse momento. Por enquanto, os anos 80 e 90 seguem tendência, e isso, de algum modo, rejuvenesce. Trocar referências, partilhar álbuns de banda e histórias de campeonato.

Há um respeito por esse legado, que, obviamente, vem se perdendo pelas gerações mais novas, que compreendem o skate não como um estilo ou filosofia (ora meio cínico, um pouco epicurista e até estoica, assunto para outro dia).

Agora, parece que a pista é um lugar competitivo e instagramável, palco perfeito para vídeos curtos para postar nos stories ou reels.

Sou parte de uma geração que transita entre o mundo digital e o analógico. Sim, nós gravávamos vídeos uns dos outros! Assistíamos a fitas VHS e, mais tarde, DVDs, maravilhados com os atletas executando manobras incríveis, nos deixando cheios de vontade de correr para tentar replicá-las

Eis o ponto: os mais velhos eram nossas influências.

A geração digital não exerce influência por um fio narrativo de um legado. Leva muito tempo. Ela cria influencers. Na cultura da mercadoria, não há tempo para tombos, trocar ideia na pista ou com alguém das antigas para obter aprendizado. Há uma demanda constante de performance para se publicar, postar e gerar conteúdo.

A prova é que o esporte se tornou muito mais competitivo. As olimpíadas de Tóquio foram em 2020. A partir daí, grandes grifes reconhecidas mundialmente têm cooptado atletas nos últimos anos para fazerem divulgação em suas marcas.

Rayssa Leal (uma adolescente), foi capa da Vogue em 2023. Esse ano, assinou com a Louis Vuitton. E o termo é… “tornou-se embaixadora da marca”.

A Carolina Herrera lançou uma edição especial do perfume 212 com a participação de skatistas de diversos países. Na versão brasileira, contou com a presença de Yndiara Asp e outros. Além disso, o design do frasco foi cuidadosamente elaborado para refletir o universo do skate.

BMW, Prada, Chanel, Versace, Gucci, Tommy Hilfiger… Todas, de algum modo, “surfaram na onda concreta” do sucesso que tem sido o skate nesses tempos. Definitivamente, o street wear está em alta.

Mas talvez eu tenha me alongado um pouco, afinal, quando somos apaixonados por algo, sempre encontramos maneiras de estender o assunto, e isso é especialmente verdadeiro quando se trata do skate! No entanto, voltemos ao foco principal, que são os anciãos e o Salmo mencionado anteriormente.

Quem exerce influência sobre os influencers?

É curioso que o sentimento de se sentir old school na pista de skate, me fez pensar como tem sido para os anciãos e anciãs da igreja, vivenciar mudanças cada vez mais rápidas na forma e conteúdo dos cultos.

Não é hora de pensar numa pastoral intergeracional?

Os efeitos de iluminação, a linguagem, a música, seja o tom e a melodia, não deveriam ser carinhosamente modelados numa liturgia que considere e reconheça esse legado, transmitido a tantos de nós pelas gerações anteriores?

Não sei se é cedo, mas tenho a impressão de que o etarismo tem afetado ministérios.

Se for seguir a lógica do algoritmo, a dinâmica da mídia social, as lideranças desses perfis famosos de instagram são majoritariamente formadas por juventudes.

O street wear está em alta: tênis cano alto ou médio, jeans e camisetas oversized.

Onde estão os que calçam sapatos, papetes ou sandálias com fecho?

Cada vez menos vejo a participação dessas pessoas nos cultos dos lugares que passo.

Cada vez mais observo os efeitos da busca de estratégias para gerar conteúdo e informação para as mídias sociais e não necessariamente, sabedoria e comunhão.

A era pós-narrativa nos desconecta dos legados

Se informação não é conhecimento e nem conhecimento significa sabedoria, como bem disseram por aí, acredito que a sabedoria dos anciãos pode oferecer orientação espiritual, histórica e prática, complementando as habilidades e energias das juventudes.

Richard J. Mouw argumenta que a liderança intergeracional pode desempenhar um papel crucial na promoção da unidade e do crescimento espiritual da comunidade religiosa.

Ao reunir diferentes gerações, a liderança intergeracional pode facilitar a troca de conhecimento, a construção de vínculos significativos e a criação de uma comunidade mais comprometida.

As grandes marcas perceberam isso rápido: da possibilidade de imprimir uma mensagem diante da trajetória dos jovens atletas. O problema: essa mensagem é capitalizada para produzir consumidores, apenas.

Se a Igreja sucumbir a uma era pós-narrativa, cairá no imediatismo e numa espiritualidade do consumo, apenas. Da busca desenfreada por tendências, estratégias, estilo e termos da moda.

Parece que uma alternativa contra isso é promover um diálogo fecundo entre gerações.

Uma pastoral intergeracional da escuta, capaz de construir momentos, celebrar memórias e criar sua própria história.

Se os fios do enredo bíblico são tecidos no cotidiano, não há outro jeito: é preciso conviver. E os idosos têm um lugar nisso tudo.

Para além das homenagens de dia dos pais, das mães ou dos avós, há tessituras, dons, talentos e rugosidades preciosas para a construção da identidade cristã na contemporaneidade.

Nesse sentido, as novidades vêm e vão, já o evangelho, não.

O evangelho é sempre novo.

É um continuum do que chega, transforma e permanece.

Acervo pessoal

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Referências:

Mouw, R. J. (2010). Uncommon Decency: Christian Civility in an Uncivil World. Downers Grove, IL: InterVarsity Press.

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