Magnificat

Vinnícius Almeida
5 min readDec 21, 2023

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Maria respondeu: “Minha alma exalta ao Senhor! Como meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador! Pois ele observou sua humilde serva, e, de agora em diante, todas as gerações me chamarão abençoada. Pois o Poderoso é santo, e fez grandes coisas por mim. Demonstra misericórdia a todos que o temem, geração após geração. Seu braço poderoso fez coisas tremendas! Dispersou os orgulhosos e os arrogantes. Derrubou príncipes de seus tronos e exaltou os humildes. Encheu de coisas boas os famintos e despediu de mãos vazias os ricos. Ajudou seu servo Israel e lembrou-se de ser misericordioso. Pois assim prometeu a nossos antepassados, a Abraão e a seus descendentes para sempre”.

[‭São Lucas -‬ ‭1:46‭-‬55‬ ‭NVT‬‬]

Hoje pela manhã meditava no texto bíblico do primeiro capítulo do Evangelho de S. Lucas. No trecho que foquei, tratava do cântico de gratidão, onde Maria, expressa sua alegria e gratidão a Deus por escolhê-la para ser a mãe de Jesus Cristo; e por Sua bondade e misericórdia para com os necessitados e humildes. O cântico ficou conhecido como Magnificat, e enfatiza a ideia de que Deus exalta os humildes e mostra Sua misericórdia a todos.

Há um detalhe: o fato de Maria conceber sem ainda estar morando com José. O texto empenha-se para indicar ao leitor que tudo aquilo que acontece é obra da intervenção divina. Um anjo comunica a uma pessoa sobre o nascimento do filho de Deus através do Espírito Santo.

É muita coisa! Coisa pouca não é!

Impossível falar desses acontecimentos em apenas um dia. Por isso, ao longo dos séculos, a Igreja escolheu carinhosamente vivenciar o ano litúrgico, que não segue o calendário civil. A vida cristã tem outro tom. Outro ritmo…

De acordo com essa narrativa de São Lucas, Aquele que vai iniciar uma nova história, surge dentro da história de uma maneira completamente nova…

Por isso, foi um jeito que a tradição cristã encontrou de saborear, vivenciar e apreender o projeto de Deus e da revelação ao longo da história. Ciclos!

É tão humana a maneira de nosso Senhor se apresentar.

Os ciclos (que não tem nada que ver com “eterno retorno” de Nietzsche) são períodos em que se passam acontecimentos importantes na história. Temos os nossos! Há quem perca as estribeiras por esquecer uma data comemorativa. Aniversário, comemorações, lembranças (felizes e tristes), memórias.

O primeiro evento na trajetória de Jesus Cristo é seu nascimento. Assim a Igreja entendeu. O Natal. Esse ato tão profundo é permeado de outros acontecimentos que o precedem e recheiam toda a história. Então, precisam ser lembrados por toda a comunidade cristã. Disto, o ciclo do Natal integra o período de advento, Natal (com oitava), Sagrada Família, celebração de Maria, mãe de nosso Senhor (θεοτόκος), Epifania e Batismo do Senhor.

É também essa época conhecida porque se costuma presentear.

E mesmo tendo a humanidade sido agraciada com o maior presente, as pessoas gostam de receber coisas, lembrancinhas, mimos e afins. Há festas da firma, encerramentos, amigo-secreto…

Por razões assim, estava eu outra vez no shopping. A meta, clara e objetiva era a de encontrar alguns presentes. Focado, a primeira retomada de decisão em nosso plano foi a de mudar de local. O primeiro destino estava com o tempo dobrado, porque havia trânsito e o estacionamento, de acordo com o GPS, beirava o caos, com a avenida toda vermelha. E não era de decoração, mas de suco de trânsito mesmo.

A segunda opção, outro shopping, foi mais tranquila. Parece até que as cidades reduzem suas possibilidades quando o assunto é lazer sem-que-passe-pela-lógica-do-comprar.

Ainda assim, presentes são necessários. “É melhor dar do que receber!”, diria Jesus (que aqui, nem nasceu ainda. Somente a partir do Natal).

Brincadeiras à parte, porque, foi lá, à tarde, que me deparei com a obra Madona, do artista Paulo du’ Sanctus.

E agora, à noite, não consigo dormir olhando para essa imagem. Revisitei o texto bíblico de Lucas 1, pensando numa meditação sobre o Magnificat em relação às mães que vivem na injustiça e desigualdade com seus filhos.

Hoje mesmo conversávamos aqui em casa sobre o Mapa da Desigualdade 2023.

No indicador de Mortalidade Infantil, dos 96 distritos, o Marsilac ocupa a posição mais crítica, sendo o índice de desigualdade elevado a 11,9x do que outros lugares da cidade. Não que a realidade de outras regiões periféricas seja muito diferente.

Considerando o contexto socioeconômico de Belém, a chance de a cidade estar no mapa da desigualdade da Israel do primeiro século era bem grande.

Confere lá:

Fonte: https://institutocidadessustentaveis.shinyapps.io/mapadesigualdadesaopaulo/

Fonte: Rede Nossa São Paulo. Mapa da Desigualdade 2023.

Quais as respostas diante de um cântico desses, como o de Maria?
Quais as respostas diante de um dado como esse?

Maria, em sua própria situação, era uma mulher simples e humilde, mas foi escolhida para um papel extraordinário na história. Assim como ela reconheceu a bondade e misericórdia de Deus, mesmo em sua posição humilde, podemos refletir sobre como Deus se preocupa com a população vulnerável e que sofre violências e violações.

O Rei humilde que aí vem, traz a redenção e a restauração também

A meditação deve se concentrar na esperança de que, como Deus agiu por meio de Maria, Ele continua a se preocupar com as mães que enfrentam desafios e injustiças hoje.

Podemos refletir sobre como cada um de nós pode agir, a partir da Igreja, e, seja por meio de apoio, defesa ou ações concretas, coletivas e comunitárias para ajudar a promover a justiça e a igualdade para essas mães e seus filhos, é uma forma de honrar o espírito do Magnificat.

Que Maria, aquela que nosso Deus gerou, nos ensine a beleza de ter Jesus em nós.
Que a luz do mundo encontre lugar inclusive nesses lares e corações. Desde os bairros que são anualmente indicadores no Mapa da Desigualdade.
Que a igreja avance, compartilhando esperança em palavras e ações. E que ao falar, faça de pé-no-chão, olhando nos olhos, com os corações ao alto, mas de mãos estendidas… ao outro.
Que a teologia desça, aprendendo com a condescendência divina.
Que diante de uma arte como essa, o silêncio grite tal como essas cores vivas, o que (ainda) precisa ser feito para que Herodes e seu espírito de morte sejam expulsos!
Que o Teu Reino venha!

Vem Senhor Jesus, Maranathá.

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