Ao meu cãozinho

Vinnícius Almeida
5 min readSep 23, 2023

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Prólogo (ou seria blólogo, de “blog”)

São Francisco de Assis é amplamente conhecido por sua profunda conexão com a natureza e os animais. Existem várias histórias e que destacam sua compaixão e comunhão com a natureza.
Sobre a fonte dessas histórias, quem liga? Aqui não é a ABNT e preciso o tempo todo autoafirmar isso.

Fato é que nosso cãozinho está muito doente. Então, esse tem sido um tempo litúrgico da estação da criação difícil aqui em casa. Nos dias tristes, o tempo passa diferente.

Tivemos uma semana cheia. Três internações, uma anemia e um diagnóstico de câncer no baço e linfonodos no fígado. Escrevo enquanto o observo respirar devagar. Sempre por perto, ainda que com dores ou mesmo num quadro crônico.

Ele chegou no momento mais difícil de nossas vidas…
De lá pra cá, a alegria veio latindo.

Depois dele conhecemos muita gente: crianças, comerciantes, mais cachorros e os que com eles passeiam. Não raro, lembramos apenas os nomes dos cães. Tem gente que ao trabalho vem ou vai, mas geralmente fazem uma parada, curvam-se entre bolsas e sacolas e vão até-quase-o-chão para darem um cafuné ou um sorriso convidando-o para brincar.

Ouvi histórias tristes, acompanhei alegrias, pude partilhar a razão de nossa esperança. Tudo mérito dele. As conexões e as oportunidades. Digo que sempre foi um cãozinho missional.

Foi assim por esses quase 05 anos. Diariamente.

Então, de algum modo, parte do meu dia é formado por essa liturgia-canina-ordinária. Entre passeios e prosas com quem encontro lá embaixo, cerca de duas ou três vezes ao dia.

Desconheço um vizinho que não o chame pelo nome. Exceto o Sr. Silva, zelador do prédio de trás, que o batizou de “Thor”, mas ele tem licença poética para tal. Não tenho nenhuma autoridade para interpelar o Sr. Silva. Acho que os mais velhos podem confundir nomes de crianças e cachorros. Vovô Constantino vivia fazendo isso.

Perguntam se Caillou é o mesmo do desenho. E é! Veio pra gente com esse nome e foi a única solicitação da família que nos doou, lá em dezembro de 2018: que não alterássemos seu nome.

Aos dez de outubro, completa(rá) 8 anos. Vejam: o tempo da criação é celebrado até o dia 04 do mesmo mês. É fundo meditar nisso, porque desde a sua chegada, não houve um único dia que passou sem que tenha deixado de agradecer a Deus por meu amiguinho.

Há pouco mais de uma semana, esse cenário (ou tempo litúrgico) mudou. Quem me acordava sem despertador, latindo para sair rumo às ruas de Santo André, agora está confinado, sempre deitado, sentindo dores e sob o efeito de medicações fortes.

A criação geme…

Pensei em pedir oração no grupo da igreja, mas não tive coragem.
Um pedido desses pode parecer triplamente errado.

1) Porque somos um casal sem filhos (?) e,
2) porque parece que as orações são apenas sobre Deus e os humanos.
3) Porque tratar animais com afeto pode parecer que sucumbimos ao presente século que trata “bicho como gente”.

Será?

Uma pena… mesmo fazendo parte de um grupo religioso saudável, engajado por uma Teologia da Criação, fiquei “sem jeito” de pedir oração por meu cachorrinho. Constrangeu-me considerar essas possibilidades de interpretação.

Só pensava em São Francisco.
Eu o vi algumas vezes, representado no ambiente das clínicas e hospitais veterinários por onde o cãozinho peregrinou esses dias em busca de alívio.

Preciso dizer do tratamento profundamente sensível de todas as pessoas que nos atenderam nesses espaços. Recepcionistas, auxiliares de limpeza, residentes, estagiários e veterinárias.

Moisés ben Maimón, o erudito judeu do século XII também conhecido como Maimônides, sugere que o propósito de evitar o sofrimento animal é promover a virtude humana. E percebe isso a partir da Torá.

Deve ser por isso que aquelas profissionais são tão virtuosas e humanas. Porque cuidam. Cultivam o florescimento da criação, e, com isso, florescem também.

Li a ideia acima através do texto de um teólogo, Ken Stone, compartilhado por um amigo. Ken convida-nos a refletir sobre as Escrituras a partir de uma hermenêutica animal. Uma leitura para pensar uma ética animal. Assim que puder, quero ler com calma…

E São Francisco tem histórias inspiradoras, famosas por apresentarem sua relação com a criação.

Embora não haja relatos “canônicos”, há bastante história acumulada a esse respeito. E a história popular é história também. Mesmo a ABNT querendo as fontes. Aqui no blog ela não vai ter (já que sou obrigado a fazer isso pelo doutorado, aqui me desobrigo).

Algumas das histórias mais famosas de São Francisco incluem:

O Sermão aos Pássaros: São Francisco é frequentemente associado ao “Sermão aos Pássaros”, na qual ele teria pregado para uma “congregação de pássaros”. Chamando-os de irmãos e irmãs, agradecendo a Deus por sua beleza e pedindo que sejam alegres e gratos.

Ouvi e li essa história sempre em momentos em que refletia-se sobre a importância do cuidado de São Francisco pelos animais.

Paz com o Lobo de Gubbio: outra história famosa envolve São Francisco e um lobo que estava aterrorizando na pequena cidade de Gubbio, na região da Umbria, Itália.

São Francisco se aproximou do lobo e conversou com ele, pedindo-lhe que parasse com seus ataques. O lobo teria concordado e, em troca, os habitantes de Gubbio começaram a alimentá-lo.

Esta história é vista como um exemplo de como a compaixão e a comunicação com os animais podem resolver conflitos, humanizando nossas relações, ora desumanizadas (entre nós), ora insensíveis com as dores da criação.

Fala também dos “lobos reais” que nos cercam e como devemos tratá-los: do mesmo jeito, ou seja, com o amor, bondade e misericórdia que damos a quem amamos.

A Bênção para os Animais: São Francisco também é lembrado por sua prática de abençoar os animais, especialmente em sua festa, que é celebrada em 4 de outubro. Em algumas tradições cristãs as pessoas trazem seus animais para serem abençoados durante a celebração. Isso ocorre em muitas igrejas no mundo.

Talvez daí venha meu constrangimento… A tradição da qual faço parte (a protestante) é por vezes tão rígida a esse tipo de coisa, que é por isso que Chesterton bem dizia a o que dizia sobre nós…

Mas hoje, não estou em condições de sugerir uma reflexão, porque esse texto é sobre um pedido de oração. Por meu cãozinho.

Como protestante, não vou poder pedir orações a São Francisco, mas peço a vocês. E oro como ele:

Senhor, que neste momento tua bênção chegue até o Caillou e como um milagre ajude-o a curá-lo.

Porque Senhor, tua sabedoria é divina e teu poder de cura é grandioso.

Sei, também Senhor que tu colocaste no mundo os animais para nos ensinar coisas sublimes, como amor incondicional e por este amor que peço por essa criaturinha de quatro patas que está enfermo, se reabilitar e que tenha menos dores com a tua ajuda, pela tua graça!

Estou com o coração apertado porque nada posso fazer, mas confio na tua força bendita! Senhor em ti confio e entrego o Caillou nas tuas mãos curadoras e divinas.

Neste momento Senhor, elevo meu pensamento para pedir também para os médicos de cura da espiritualidade maior trabalhar e ajudar na nossa batalha, eliminando as enfermidades e o sofrimento deste animal.

Senhor, que a partir desta oração a cura se faça presente e que o Caillou obtenha saúde e paz. Amém.”

Ainda hoje, por volta de 23h30, meu amiguinho descansou.

Caillou Vinha Del Mar

🌟10/10/2015 — 🐶23/09/2023

Tempo da Criação, véspera de primavera, 2023.

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